Monday, October 13, 2008

Homens que me compreendem melhor que eu própria - Parte VII ou O Medo Maior

Corri o mundo à procura deste poema que escutei, uma vez, há 10 anos atrás e foi um dos momentos com mais sentido, se é que isso existe, que escutei na vida. Finalmente encontrei-o, finalmente o partilho.



Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs,
convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer:
"Fulano de tal comunica a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... ) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo...
tão leve... tão subtil... tão pólen... como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira

O sítio do costume

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