O texto que se segue é do jornalista José Ricardo Costa e foi-me enviado por mail...Não resisto em publicá-lo e partilhá-lo com quem ainda não o leu e mesmo com quem já o leu, porque é sempre bom manter acesa a chama do bom senso (que o que mais nos faz falta):
O nariz
José Ricardo Costa
Estive a ver um documentário sobre uma expedição à segunda montanha mais alta do mundo. Havia alpinistas de vários países, sendo um deles o nosso João Garcia.
Nem todos conseguiram lá chegar. O nosso João Garcia chegou. E, já lá nas alturas, depois de espetar uma bandeira de Portugal no duro gelo desse mundo inóspito, olha para a câmara de filmar que levara consigo e diz: "Isto prova que os portugueses são tão bons como os outros, que somos tão capazes como os outros".
Mal vi aquela solitária bandeira portuguesa esvoaçando orgulhosamente no tecto do mundo, lembrei-me da gigante bandeira humana no Estádio Nacional, a mais bela bandeira do mundo, quase ao nível do mar.
Comparar a bandeira portuguesa de João Garcia com a bandeira portuguesa do Estádio Nacional é como comparar uma pintura de Rafael com um enxame de abelhas.
João Garcia é o alpinista que perdeu um dia o nariz numa das suas árduas escaladas. Olhe agora lá bem para o meio da bandeira humana que aqui lhe trago.
O que vê para além do enxame? Vê algum nariz? A menina que está em primeiro plano ainda tem um rosto definido. E até se vê bem o seu narizinho.
Porém, onde começa a bandeira feita de multidão acabam-se os narizes. Porque a multidão não tem rosto, porque a multidão não tem nariz. E, como não tem nariz, também não o pode perder, pois só se pode perder o que se tem.
Esta bandeira é uma massa compacta, uniforme, uma unidade primordial na qual os narizes desaparecem. Uma gigantesca flor carnívora verde e rubra que, bruscamente, no mês passado, foi engolindo os pequenos insectos que a iam formando. Aquela multidão, feita do mesmo verde e rubro que João Garcia espetou lá no gelo das alturas, é uma massa na qual todos os narizes foram diluídos.
Aliás, a multidão é uma máquina de triturar narizes. Naquela bandeira tudo fica triturado. O nariz, as mãos, o rosto. Como diz Kierkegaard, o famoso teólogo dinamarquês do século XIX, "a multidão é mentira". Nunca seria um indivíduo isolado a cuspir no rosto de Cristo. Só inserido numa multidão seria capaz de o fazer: um homem sem um nariz bem visível dentro de um rosto bem visível. E quanto maior é a multidão mais pequenos e invisíveis se tornam os indivíduos que a compõem.
Portugal não tem só a pior economia da União Europeia, níveis de pobreza próprios da Guatemala, uma Educação miserável, um nível cultural de latrina, uma corrupção de nos fazer corar de vergonha ou uma sinistralidade rodoviária digna de condutores com doença de Parkison e Alzheimer.
Muito pior. Na Europa, somos os primeiros, em quase tudo o que é mau, os últimos em quase tudo o que é bom.
Então, o que fazemos? Subir os Himalaias para lá espetar uma bandeira? Não. Basta pintar o país de verde e rubro. Pôr uma bandeira em cada janela, em cada varanda, em cada vaso, em cada carro, em cada poste de electricidade, em cada árvore, ou até na espada de Nuno Álvares Pereira no Mosteiro da Batalha.
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