Thursday, September 04, 2008

Sequelas

Não posso ser tolerante para quem defende o passado político do meu país. Não posso ser tolerante para quem blasfema contra a liberdade, porque não tem a menor consciência do que é viver sem ela. Tenho de me revoltar contra a hipocrisia de se defender que “antes era bem melhor”… o que é que era melhor? A vida racionalizada? A juventude de metralhadora na mão? A proibição musical? A imposição religiosa? A total e maquiavel proibição de pensamento ou de capacidade de expressão e de escolha? A tortura física e psicológica? A falta de acesso ao ensino? A ausência de informação? Expliquem-me, porque eu devo ser mesmo muito burra, mas não consigo perceber em que é que isto possa ser melhor…
Hoje, apercebi-me que as sequelas de um passado assim ainda permanecem em todo o lado. Não é nada que eu não soubesse, pois o atraso cultural, social e político do meu país deve-se a esses 40 e tal anos de pura repressão e ditadura em que vivemos e que, se olharmos com os olhos da consciência social, percebemos que esses tempos foram ontem e que ainda estão demasiado perto para que haja uma recuperação total da sociedade. Daí que ainda estejam a vir à tona os escandalosos e gravíssimos problemas de traumas de guerra. Sim, porque caso não saibam, a guerra colonial portuguesa ainda hoje é considerada um dos mais sangrentos palcos de guerra da história, mas isto se calhar não interessa, não é? Porque quando se fala de trauma de guerra, a malta (os-jovens-radicais-fashion-universitários-cosmopolitas e todos os restantes alienados) esquece-se que estes senhores, quando estavam com a idade deles, em vez de gastarem as mesadas (que não tinham, porque não havia) nas noitadas no Lux e no Tamariz e nos carros e nos vodkas com limão e nas imperiais, andavam de metralhadoras na mão, num país que nem sequer conheciam, a matar pessoas, sem saberem muito bem porquê. E enquanto isso, as namoradas e amigas que cá ficavam, em vez de gastarem o tempo (que não tinham porque trabalhavam) a passear nas Zaras e nas Berskas, a pavonearem-se nos Chiados e nas Avenidas, ficavam em casa a ajudar nas lides domésticas, a fazer os enxovais para um casamento com um noivo que muitas vezes regressava “numa caixa de pinho”, ou a trabalhar para ajudar nos sustentos de famílias que não tinham que chegasse para comprar pão (porque bifes, era uma vez sem exemplo, talvez no Natal). E continuam a vir também à tona, todas as sequelas de uma juventude que cresceu assim, sem música, sem coca-cola, sem televisão, sem expressão própria, com medo, com angústia, com receio. Mas que nunca perdeu a esperança e por isso continua cá. E deixam raízes. E projectam nos filhos, a esperança de um futuro que eles não tiveram mas que o sonharam.
Não tenho partido político, mas tenho opinião política (que aliás, defendo que é coisa que não se obtém aos 18 anos, mas sim um pouco mais tarde, mas enfim…). Não me identifico com nenhum partido em especial, mas sei aqueles com que não me identifico, de todo. Cresci num país que me deixou estudar, ouvir as músicas que gosto, vestir a roupa que quero, criar as minhas modas, defender as minhas filosofias, fazer teatro num grupo que orgulhosamente se intitula Veto, gritar em manifestações contra invasões militares contra outros países e poder estar na rua até depois das meia-noite com mais de 3 amigos sem ser acusada de conspiração, sair do país em viagem sem ter de pedir autorização ao companheiro, fumar na rua, ter isqueiro, tirar a carta de condução, votar, escrever estes textos na internet. Enfim, posso fazer tudo isto e sei dar o devido valor a tudo isto. E esta minha consciência devo-o a muitos heróis da geração de 70, mas devo-o ainda mais aos dois maiores heróis dessa geração que são o meu pai e a minha mãe. Que sobreviveram a uma adolescência de privações, para hoje me poderem dar toda esta responsabilidade histórica e social de saber dar valor à vida que tenho.

Não sou tolerante com o fascismo e tenho orgulho nisso!

Mãe:
Não te preocupes. Vou cantar ao Avante, sim. Mas não vou lá pelo Avante nem pelo que ele representa. Não é a festa em si que me faz ir lá. É a música, e tu sabes disso. E não te preocupes que o país que me deixaste não me vai prender por isso! Obrigada pela tua luta!

4 comments:

Anonymous said...

Gostei mt desta posta e concordo com tudo. Faz-me imensa confusão ouvir muitas vezes "isto antes é que era bom, esta juventude está perdida, se fosse no tempo do Salazar é que era...". Só mesmo um par de estalos!!! Vais cantar ao Avante? Quando? Quando?
Beijokas,

peixinho

Boguinhas said...

Sim...também quero saber quando vais cantar ao Avante!!! Ai a menina que nunca me avisa... :P

Su said...

Vou cantar no Domingo, dia 07/09, às 20h30, no Palco Café Concerto Lisboa (acho que é assim que se chama!)

Boguinhas said...

Não te consegui ir ver... :(