Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Fernando Pessoa
Falas de civilização...
Falas de civilização, e de não dever ser, ou de não dever ser assim. Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos, com as coisas humanas postas desta maneira, dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos. Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor. Escuto sem te ouvir. Para que te quereria eu ouvir? Ouvindo-te nada ficaria sabendo. Se as coisas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo. Se as coisas fossem como tu queres, seriam só como tu queres. Ai de ti e de todos que levam a vida a querer inventar a máquina de fazer felicidade!
Alberto Caeiro
Tortura
Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento
E ser, depois de vir do coração
Um punhado de cinza esparso ao vento!...
Sonhar um verso de alto pensamento
E puro como um ritmo de oração!
E ser, depois de vir do coração
O pó, o nada, o sonho dum momento...
São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que iludo os outros, com que minto!
Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!
Florbela Espanca
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