Adoro quando encontro pessoas que escrevem o que me vai na alma, no pensamento e na vontade. Sinto-me menos só, mas compreendida! O texto que se segue é uma delícia e não, não estou de mau humor, só tenho tido fortes (mas mesmo muito fortes) insónias... mas mesmo que andasse a dormir mais continuava a amar este texto. Ouvi falar dele aqui mas é orginalmente d'aqui. Parabéns aos autores deste sítio encantador e parabéns ao autor do texto. Cá vai então a partilha do assalto assumido!
A Náusea
É uma espécie de enjoo. De repulsa.
Por qualquer razão, de súbito começamos a reparar melhor em coisas, situações e relações a que parecíamos estar habituados ou a que éramos indiferentes, e sentimos uma vertigem.
Ficamos com uma hipersensibilidade à falta de qualidade de tantas coisas que nos rodeiam.
Reparamos que temos lama nas solas e quem nem batendo com força os pés no chão ela salta.
Pode ser a esplanada na bela da beira-rio, que nos apresenta um menú desgraçado.
Filetes de corvina no forno com natas. Corvina mal descongelada, com natas. Aqui à beira rio? Tudo com natas. Parece que deram ao Diabo uma concessão no Paraíso. Porquê? É de direito natural que estes marmanjos explorem esta coisa neste sítio tão bonito? Porque é que ninguém os corre daqui? Enjoo, enjoo.
Pode ser a nossa amiga de quem o namorado faz gato-sapato. Ouvimo-la mil vezes, damos-lhe o mesmo conselho e ela volta ao mesmo. Porquê? Não tem amor-próprio? Coluna vertebral? Mais não, please. Não venhas outra vez com essa conversa. Enjoo. Náusea.
Aquela sensação, tão habitual, de que se vive sempre num contínuo desenrascanço, a fazer tudo em cima do joelho, de que ninguém pára para pensar, torna-se insuportável.
Nesse estado de hipersensibilidade, olhamos tudo ao microscópio. Deixamos a vista desarmada de lado. Passamos a achar que tudo precisa de ser pasteurizado.Passa a ser perigoso abrir o jornal.
Mesmo em países que nos pareciam, pronto, civilizados começamos a sentir qualquer coisa de fétidozinho no ar. Olhem para o que se passa em Inglaterra, com a falta de qualidade da política. Pior do que a nossa.
Não há nada de novo. Isto sempre foi assim. Pode estar pior, mas sempre foi assim. Só que, ao acordarmos do estado catatónico, ao sacudirmos o torpor, revela-se toda a nossa impotência.É esse a fonte da náusea. A nossa impotência para mudar as coisas num ápice. As mudanças são feitas devagarinho. Com avanços e recuos. Agora recua-se.
Percebemos o significado profundo de sermos assim mesmo. É a mancha humana, como dizia o outro. E não gostamos. Mas depois passa. Olhamos para umas coisas mesmo bem feitas, temos umas alegrias colectivas e passa. É uma espécie de doença bipolar social, que se apoderou da psique europeia.
Martim